terça-feira, 31 de dezembro de 2013

CAMPOS MONTEIRO NO MINHO - Texto: António Pimenta de Castro

 Não sei que magia tem o feiticeiro Lethes, que encanta quem lá nasceu, ou quem simplesmente lá viveu. Esta nossa belíssima terra nunca mais se esquece. Falei-vos no meu último artigo para O Vianense de Guerra Junqueiro. Hoje venho falar-vos de outro escritor transmontano que, vivendo na nossa Ribeira Lima, se apaixonou perdidamente pela nossa região e a sua alma de poeta embebeu-se profundamente na doce e fina sensibilidade limiana. Vou falar-vos de Campos Monteiro. Um grande escritor e poeta, muito injustamente esquecido.                           Abílio Adriano de Campos Monteiro, nasceu na vila de Torre de Moncorvo, a 7 de Março de 1876, numa casa junto à Igreja da Misericórdia. Foi baptizado na Igreja Matriz de Moncorvo, em 10 de Abril desse ano. Seu pai foi José Carlos Monteiro, Contador do Juízo da Comarca de Moncorvo e era natural de Chaves. Sua mãe chamava-se Maria Joaquina de Campos, doméstica, natural de Torre de Moncorvo.
                        Em Moncorvo, fez o exame de instrução primária elementar. Feito este exame, Campos Monteiro, com apenas oito anos de idade, foi viver e estudar para Ponte de Lima, na companhia do seu tio Júlio César Monteiro, a quem chamaria «meu segundo pai» e que era escrivão da Fazenda na supracitada vila minhota. Nota curiosa, a viagem da Foz do rio Sabor até ao Porto, foi feita, em parte, de barco, como era vulgar naquela época. Mas vejamos como ele próprio descreveu essa viagem: “Tinha eu oito anos apenas quando abandonei pela primeira vez o meu pacato burgo de Moncorvo, demandando as veigas do Minho.
                       O barco de carreira entre a foz do Sabor e a do Tua – ponto terminal, nesse tempo, da linha férrea do Douro – partia do Rego-da-Barca, pelas duas horas da madrugada, às terças e sextas-feiras. E foi precisamente numa sexta-feira de Setembro que eu, cavalgando ao lado de meu pai, desci pela estrada da Vilariça, em direitura ao cais de embarque. Mergulhava o sol atrás da serra da Lousa quando me apeei no pequeno largo da povoação, onde os meus olhos infantis puderam contemplar, curiosamente, os viajantes que iam chegando: uns a pé, - os de mais cerca; outros, os que provinham lá de cima, do norte do concelho, das terras de Mogadouro e de Miranda, bifurcados em machos ou gericos, a mala de viajem à garupa e os alforges repletos de sacas de chita, uma das quais, a mais obesa e melhor acautelada, era o farnel”.



                        O jovem Abílio a veio habitar para junto do seu tio por não haver escolas para o seu grau de ensino na sua terra natal e por Ponte de Lima ser uma terra com maiores facilidades neste campo. Contudo, sabemos que a companhia deste seu «segundo pai» foi muito importante para a formação intelectual do jovem Campos Monteiro, uma vez que Júlio César Monteiro era pessoa muito dada aos livros e que convivia com a elite intelectual da aristocrática vila minhota, nomeadamente na Assembleia (clube de elite da sociedade de Ponte de Lima, na época). Em Ponte de Lima, instalou-se ele e seu tio, num enorme casarão, ao cimo da rua do Pinheiro, que não obstante ser enorme, apenas era mobilado o quarto de dormir. Nem a cozinha, nem a sala de jantar tinham mobília, uma vez que comiam numa pensão junto ao rio. Os amigos do seu tio chamavam à sua casa o «ninho da carriça», pois dos inúmeros aposentos da casa apenas o quarto de dormir, o «ninho» era habitado. Campos Monteiro, que adorava esse seu tio, recordava com imensa saudade os longos passeios que com ele dava junto ao bucólico Lethes ou para as bandas da Guia, depois do jantar e que acabavam invariavelmente, já envoltos na escuridão da noite, na Assembleia, espécie de Clube, à maneira britânica, frequentado pala fina flor limiana. Na vila Limiana, cujo talento literário já se começava a salientar, terá recebido um forte incentivo, sobretudo dos amigos do seu tio, que eram, entre outros, o grande poeta parnasiano António Feijó (depois nosso embaixador na Suécia, onde se casou com uma senhora dessa nacionalidade) e o Conde D’Aurora, grande intelectual, também diplomata e um bom escritor, sobretudo a nível regional. Apesar da tenra idade, o nosso Campos Monteiro nunca irá esquecer esses deliciosos tempos. 
                        Depois, Campos Monteiro frequentou o liceu de Viana do Castelo, cujos “preparatórios” concluiu em 1891, iniciando aqui, então, a sua actividade literária, com o livro Arco-Íris, colaborou continuadamente com alguns semanários locais e foi redactor da A Aurora do Lima. Após ter concluído os “preparatórios”, matriculou-se na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, onde completou o curso de Medicina em1902, ano em que publicou a peça “Os Filhos de Minerva”. Abílio Campos Monteiro casou em 1897, com Olívia Barros Coutinho. Mas nunca esqueceu a Ribeira-Lima... Escreveu ele: “A Ribeira-Lima…Aqueles dos meus leitores que desconhecem o Alto Minho sabem lá o que é a Ribeira-Lima! Como paisagem, como encanto dos olhos, e até do coração, não há aí nada que se lhe sobreponha. É velho e revelho, e por todos sabido, que os antigos deram àquele rio feiticeiro o nome do rio do Esquecimento. A quem das suas margens se abeirasse acontecia-lhe como aos companheiros de Ulisses quando arribaram ao país dos Latófagos: esqueciam-se do berço natal e nada mais apeteciam que o prazer edénico de ficarem vivendo ali…Lenda? Certamente. Mas as lendas não são mais do que a verdade poetizada. (…). E é nesse sonho maravilhoso, por sobre areia doirada e seixos de prata, que ele (O Lima) segue lentamente, quase sem murmúrio, regando as veigas feracíssimas que o marginam, saudando os templos e os solares que a um lado e outro se alcandoram pelas encostas, - até morrer num beijo de amor, aos pés de Viana do Castelo, - a princesa encantada que ele veio procurar de tão longe…”[1]     
                   Em Viana do Castelo existiu um grupo dramático denominado Campos Monteiro.
                  Clínico distinto, escritor consagrado, Campos Monteiro, veio visitar por três vezes a terra limiana, as quais deixou devidamente assinaladas. Foram três romagens de saudade, três peregrinações ao paraíso vivido na juventude, três viagens saudosas, sofridas, mas ao mesmo tempo doces e reconfortantes.
                 A primeira dessas três viagens deu-se em 1923. “Desconhecido, já, da população, mas extasiado em face do inebriante e dulcíssimo panorama que da Alameda se observa, nesse local pára, está em contemplação, e escreve essa composição, autêntica Vox Rerum, como a epigrafa, que é uma maravilha[2] :

 Meu doce Lima! Há quanto tempo – quanto!
             Me foi dado viver aqui contigo!
             Não te lembras de mim…Pois mudei tanto
            Que já não reconheças um amigo?

.....................................................................................
             Meu doce Lima! Segue lento e lento
             Na tua eterna e forte mocidade,
             Rio de paz e meigo encantamento,
           -Rio que outrora foste Esquecimento,
            E hoje, para quem sente, és só Saudade!

 Dois anos volvidos, em 1925, o poeta percorre toda a terra amada e escreve estas sentidas palavras: “Tinha eu oito anos quando fui habitar a Ribeira-Lima. Por lá deambulei outros tantos – em Ponte de Lima, nos Arcos, na Barca e em Viana – até que uma quinada do meu destino me atirou para novo rumo.
                 Voltei lá em 1925. Percorri-a toda. Chorei de encanto, de gratidão e de saudade. De encanto, pela formosura da paisagem. De gratidão a Deus, que me tinha permitido tornar a vê-la. De saudade pelos muitos condiscípulos e amigos de infância meus que jazem por aqueles cemitérios; e saudade por mim mesmo, pelo que fui e já não voltarei a ser.
               E agora mesmo, ao acabar de ler o livro do Sr. Padre Barreiros, e tendo contemplado demoradamente a fotografia da Capela de Távora. A saudade evoca-me na alma alguns nomes próprios correspondentes a umas imagens quase delidas, Carlos, João, Soledade, Amélia…E não posso garantir que os meus olhos estejam enxutos”[3].
           Finalmente, em 1933, a derradeira viagem: “e, então, diante dela, enlevado e comovido, ergue-lhe este magistral hino, evocando glórias e grandezas passadas[4]:”

 Velhos solares da Ribeira-Lima
Tão faustosos outrora e tão brilhantes!
Bragais enchendo as arcas até cima…
Jóias de apreço: pérolas de estima…
Finos brocados…vestes roçagantes…

 Festas luzidas…Guizos de liteiras…
Buliçoso tropel de cavalgadas…
Seges de luxo em arraiais de feiras…
Trombetas convocando, alvissareiras,
Ao halali radiante das caçadas…

 Vinha do Oriente, em naus e caravelas,
A porcelana azul das vossas mesas,
E ao clarão das miríades de velas,
As damas, de ombros nus e frontes belas,
Tinham um ar patrício de princesas.

 Tudo mudou depois.      ………

 Velhos solares! Quanto vos lamento,
Chorando o tempo em que vos conheci!
Como vós, também eu era opulento
Nobre guerreiro de pendão ao vento –
Naquela idade em que morei aqui.


 No meu solar, que a fantasia erguera,
Qual ninho de águia, em prodigiosa altura,
Reinava permanente primavera
E uma alegria esplêndida, sincera,
Feita de fé, de ideal e de ventura…
……………………………………….
 Ah! Que saudades de esse tempo antigo!
Vêde quanto caí, amigos meus!
Fui um barão feudal: sou um mendigo
Que parou um instante ao vosso abrigo,
P´ra vos saudar e vos dizer adeus!    

                       Campos Monteiro, faleceu no dia 4 de Dezembro de 1933, na sua residência de S. Mamede de Infesta, vítima, tudo indica, de uma síncope cardíaca. Escreveu inúmeros livros, poesia, teatro, conto, etc. Fez muitas traduções. Havia muito mais a dizer sobre Campos Monteiro (nomeadamente uma monografia que ele escreveu, em 1922, para a grandiosa Exposição de Sevilha a que chamou: Entre-Douro-E-Minho), porém, como o artigo já vai longo…ficará para outra altura.

  Texto: António Pimenta de Castro

[1] - Campos Monteiro, Igrejas e Capelas Românicas da Ribeira-Lima (Pelo padre Aguiar Barreiros), Almanaque de Ponte de Lima, de 1927, página 46.
[2] -Francisco de Magalhães, Médicos de Ponte de Lima, página 21, Ponte de Lima, 1950.
[3] -- Campos Monteiro, Igrejas e Capelas Românicas da Ribeira-Lima (Pelo padre Aguiar Barreiros), Almanaque de Ponte de Lima, de 1927, página 48.
[4] - Francisco de Magalhães, Médicos de Ponte de Lima, página23, Ponte de Lima, 1950.  
Fotos de Campos Monteiro e da Ribeira Lima (A.F.M.)
  



5 comentários:

  1. Obrigada ao Dr. Pimenta de Castro por partilhar connosco pérolas destas.

    Abraço
    Júlia Barros Rribeiro

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  2. O alargamento de colaboradores deste blogue dá este resultado:um belo texto sobre o nosso escritor que deu nome a um colégio .Campos Monteiro não pode nem deve ser esquecido.Já tinha lido os textos anteriores sobre os judeus e aguardo a publicação de mais texto do dr.Pimenta de Castro.
    antigo aluno do colégio Campos Monteiro

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  3. Faço minhas as palavras do antigo aluno do Campos Monteiro.

    Uma aluna do Campos Monteiro

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  4. Um dia o dr. Pimenta de Castro tem que escrever sobre as ligações ,viajens e amores entre minhotos(as) e transmontanos(as).Ele um minhoto que escreve sobre os transmontanos que andaram pelo Minho (Campos Monteiro e Guerra Junqueiro) ,e de um minhoto que viveu e
    morreu em Trás os Montes(senhor Barros,dentista).
    Um transmontano que gosta de papas de sarrabulho à moda da Ribeira Lima.

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    1. Será um prazer escrever sobre esse tema. Desde já agradeço a sugestão um abraço

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