segunda-feira, 25 de julho de 2016

GUERRA JUNQUEIRO



1. O primeiro dos documentários, da autoria de Leonel Brito, foi apresentado em 1980 e trata a
vida e a obra de Guerra Junqueiro em consonância com uma contextualização das origens geográficas do poeta, além de impor um interessante confronto intergeracional sobre o conhecimento, memória e
significado do património intelectual construído pelo poeta de Freixo de Espada à Cinta. Afigura-se,
assim, um documentário cuja tónica se espelha ao nível das raízes natais de Guerra Junqueiro e de uma reflexão sobre a acção inexorável do tempo, da progressiva erosão da memória e da ignorância acerca da edificação de uma obra humana. O documentário começa justamente com a morte do poeta, noticiada pela imprensa em ambiente de profunda comoção. Todo o país presta uma vénia em sinal de
homenagem ao poeta que agora morria. As origens locais de Guerra Junqueiro encontram-se em Freixo de Espada à Cinta, terra de “velhinhas errantes”, pastores, cavadores e gente humilde. Os poetas fazem parte de uma “memória colectiva”, muitas vezes apenas conservada pelos mais velhos e conhecedores. Três freixenistas, estudantes, conhecem pouco ou nada da obra junqueiriana. Não gostam de literatura e só lêem autores como Eça, Herculano ou Júlio Dinis quando obrigados pelos programas curriculares das escolas. O mesmo se passa com a jovem que frequenta o colégio liceal Guerra Junqueiro e que se revela ignota em relação ao homem que condescende o seu nome à escola que frequenta. A rapariga, regressada do Ultramar, leu apenas uns poucos de versos de Junqueiro mas sabe, contudo, que este hostilizava a classe clerical. “Não gostava dos padres”, diz a jovem.
Já o homem adulto, morador na casa que foi em tempos a dos pais de Guerra Junqueiro e posteriormente um quartel montado pela GNR e um “abrigo provisório” dos retornados de África, conhece o poeta através de uma estátua que lhe é erguida no “largo” e que, além disso, possuía uma quinta na Batoca. Mas são os idosos aqueles que melhor preservam a memória e a história de Junqueiro por terras de Freixo. Enquanto três homens já envelhecidos mas plenamente lúcidos recordam algumas estórias burlescas que envolvem o poeta, a “velhinha”, analfabeta e personificadora verosímil da moleirinha de Os Simples, vai trotando alguns versos que a sua memória ainda não olvidou. Junqueiro, informa o documentário, não obstante ter sido um sublime criador de poesia, também se dedicou, na placidez da sua quinta na Batoca, a satisfazer outras duas “paixões”: a lavoura e a viticultura. O vinho produzido na Batoca chegou mesmo a ser considerado um dos melhores da região do Douro. E está mal rotulado, defende o senhor de barbas diáfanas, pelo que não deveria ser chamado “Porto Wine”, mas sim “Freixo Wine”. Junqueiro assumia verdadeiros hábitos de “rural”, deambulando pelos píncaros das montanhas com o seu burrinho e comendo despreocupadamente o seu pedaço de pão. Foi igualmente “um grande coleccionador” de objectos de arte, reunindo principalmente no seu acervo pinturas sacras, estátuas religiosas, peças de imobiliário e de cerâmica, além de possuir umas das “maiores colecções de pratos de Nuremberga”.
Guerra Junqueiro foi um escritor prolífico, um poeta insigne, homem que desempenhou funções várias na política e na administração pública. Génio das letras, perpetuado pelo saber dos idosos, por estátuas e bustos, mas relegado pela força erosiva do tempo e do esquecimento, sintoma que degradou a memória dos mais jovens. Romântico, sátiro, anticlerical, antimonárquico, republicano, místico, político, produtor de vinho, coleccionador. Tudo isto foi Junqueiro, em vida e no documentário de Leonel Brito, que procurou proporcionar um encontro ou um “reencontro” com as imagens, melodia, ruas, gentes e natureza que participaram no percurso desse “grande poeta menor” e “imorto” que foi Guerra Junqueiro.

IN  Um poeta, três olhares: Os documentários de Junqueiro
Joaquim Pinto

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1 comentário:

  1. Orlando Félix escreveu: Guerra Junkeiro, desgraçadamente nada ensinado nas escolas... mas sempre atual.
    Está sepultado no Panteão Nacional,

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