terça-feira, 4 de junho de 2013

GUGA, por Júlia Ribeiro

Ora, vamos lá ver se damos um certo ar de graça a estas coisas, pois rir - ou mesmo sorrir- também faz falta. E mais: faz bem à saúde. 
Hoje vou falar-vos de um cão que tivemos em tempos. Aliás, nunca tivemos só um cão. Tínhamos sempre três ou quatro e chegámos a ter cinco, porque o meu marido pensava que era caçador. Nunca caçou nada, mas ao Domingo, no tempo da caça, lá ia com os amigos, para esticar as pernas depois da semana praticamente fechado no escritório ou em tribunais. No tempo do defeso, ia passear os cães para o pinhal d'el-rei.
Isto foi a introdução da estória.
Agora é que vou contar a estorinha do tal cão. Chamava-se Guga. Era de raça (não sei qual ), tinha umas barbaças engraçadas e foi comprado não para a caça mas para dar à nossa primeira neta quando esta fez 4 anos. 
O Guga era lindo e tinha um pedigree do caraças: era filho, neto e bisneto de campeões, quer do lado materno, quer paterno. Até dava vontade de encaixilhar aquela ficha biográfica. E custou um dinheirão ! 
Está apresentado o Guga. Mas porquê contar a sua história? O cachorro aprendia muito bem o que se lhe ensinava, obedecia às palavras de ordem, fazia uma data de habilidades e a menina gostava do Guga e o Guga gostava de nós todos. 
Mas o Guga não gostava de estranhos e tinha uma maneira assaz curiosa de mostrar a sua aversão por eles. Se entrava alguém desconhecido, eriçava o pêlo  e tinha um rosnar surdo. Mandava-se calar e, de rabo entre as pernas, ia para o seu açafate, sempre vigilante e desconfiado. Quando a pessoa ia embora, saltava do seu poiso e abocanhava-lhe um calcanhar. Ferrava mesmo. Várias vezes apanhou uma palmada, mas não corrigia o mau feitio. 
Havia amigos do meu marido que vinham de propósito ver o cão e achavam-no uma estampa : "Inscreva o cachorro numa exposição canina. Vai ter o 1º prémio, tão certo como dois e dois serem quatro".
Tantas vezes lhe disseram o mesmo que, um dia, o meu marido inscreveu o cão e fomos todos ver o Guga tornar-se campeão. 
A minha neta, penteada com laçarotes, e pela mão de um avô babado, é que levou  o Guga pela trela até à área da exposição. E o diacho do cão até parecia que sabia para onde ia. Muito aprumado ao lado da menina, a olhar para os estranhos, sem rosnadelas nem pelo eriçado.
Foi pesado e medido. Tudo bem. O meu marido segredou.me: "Temos campeão" .
O veterinário continuou o exame: abriu-lhe a boca, observou-lhe a língua, os dentes, o pelo, os olhos, as orelhas, levantou-lhe a cauda e apalpou-lhe o escroto. Apalpou novamente, parou e disse: "Excluído. Só tem um testículo" . 
O Guga nem sequer chegou à passerelle. 
Frustrados todos, o Guga  e a miúda mais do que os outros, viemos para casa.
Parece que o cão também tinha entendido o que se passara. Tornou-se ainda mais traiçoeiro nos seus ataques  a estranhos. Eu dizia que, se calhar, havia tido um cão de luta, um cão guerreiro e traiçoeiro, entre os seus ilustres avoengos. 
Tivesse ou não,  o meu marido resolveu dá-lo a um amigo que tinha uma quinta para os lados de Valado dos Frades. Havia na quinta vários outros cães, mas o Guga, que nem era o mais corpulento, em breve se tornou o líder daquela canzoada. 
E querem saber o mais engraçado? Também em breve se tornou o pai dos cachorros que vieram a nascer lá na quinta. E os Guguinhas eram as ventas do papá e excelentes cães de caça.
O Guga ganhou fama de garanhão de raça e hoje, 90% dos melhores cães de caça daquela zona são descendentes do Guga.  E só tinha um testículo !!...

 Leiria, 04.06.2013
Júlia Ribeiro


12 comentários:

  1. Amélia Próspero escreveu:Moral da História não devem votar por aparências e não excluir deficientes.

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  2. Por aqui se prova que basta um para enfrentar a corrupção.Morde-lhe os calcanhares Guga,antes que fujam!Mais uma divertida crónica de Júlia Ribeiro.Quando volta às histórias da vila.O Camané e muitos outras têm muito que contar.A Praça já não é a Nau Catrineta. Há novos ancoradouros.Sabia que o ...venha até que eu conto.
    Leitor

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  3. venha até cá... ,o cá ficou no tinteiro.

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  4. Olá, Blogueiros:

    Lá para finais de Junho, princípios de Julho , conto estar aí 3 ou 4 dias. Vamos ver como a saúde se irá portar. E espero que este nosso amigo "Anónimo" apareça para contar "estorinhas" da Bila e da Querdoira e do Carrascal....

    Boa noite e até qualquer dia.
    Júlia Ribeiro

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  5. Viva, caríssima amiga Amélia Próspero:

    Colheu muito bem a moral da história. È isso mesmo : não votar por aparências nem excluir deficientes.

    Abraço
    Júlia Ribeiro

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  6. Já tinha saudades de um contimho desta senhora. Já me ri com vontade. Esrceva mais a jente gosta..

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  7. Olá Julinha

    Já tinha pensado que estive-se pior dos braços. e que não podia escrerever. Gosto sempre dos seus contos. Este do Guga é muito engrassado. Quando vem cá outra vez . Venha que a gente gosta de a cá ver e ovir.

    bejinhos

    Maria do Céu

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  8. Até que enfim que esta senhora aparece outra vez. O Guga era um cão com personalidade. Até provou que não era homem a menos por ter só um testículo. Grande Guga. Fico à espera de outras historias.

    Um fã dos Farrapos e destas histórias

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  9. Viva Querida Julinha!!!
    Gostei...Uma história sábia e inteligente,à escala de quem, com sabedoria e inteligência,nos relata um facto real da vida.É um erro ignorar e menospresar os mais fracos ,os "defeituosos",porque são esses,que muitas vezes chegam ao topo ,ao cimo da montanha,ultrapassando os que se julgam perfeitos.
    Moral da história:
    Os últimos às vezes são os primeiros e vice-versa.
    Beijinhos de amizade.

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  10. Adorei a história, que afinal é real, e quanto me ri! não menosprezem a inteligência dos animais, eles sabem bem a quem dão seu carinho; e a sua maneira de descreve-la é de uma boa escritora!...
    Fez-me lembrar um pastor alemão que tive, esse deixava entrar qualquer pessoa no quintal, mas sair...! isso é que não! segurava pelo traseiro, das calças e dali não saía enquanto meu marido lá não fosse, larga Rex!
    Mais uma vez os meus parabéns.
    Fico esperando outro seu conto, que adoro ler! Saudações amigas " Célia"

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  11. Olá Ireninha :

    Muito gosto em vê-la por estes lados. Obrigada pelas suas palavras, sempre tão amáveis.
    Quero ver um texto seu postado aqui. Um texto pequenino e cheio de ternura, como costumava fazer. Valeu?

    Retribuo os beijinhos e a amizade..
    Júlia

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  12. Olá, caríssima Célia :

    Como é que eu deixei passar o seu comentário? E afinal um comentário tão interessante, tão bonito. Devo ter começado a ler desde o início e entusiasmei-me, porque descobri que uma comentadora era a Irene Massa e depois nem dei conta que me faltou ler um comentário: justamente o da Célia.

    Peço imensa desculpa, agradeço as suas palavras amigas e tão amáveis e retribuo as saudações ; acrescento um abraço grande e claro que é sempre bem-vinda.

    Júlia

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