quinta-feira, 27 de março de 2014

Rio de Moínhos,por Artur Salgado

Fotografia: José Rodrigues
Se a velhinha, muito velha mesmo,mãe lendária da aldeia do Souto da Velha fosse viva diria: meus senhores saibam que muitas das lágrimas que deixei cair por não ter casa onde me abrigasse foram parte da fonte que ajudou a brotar tantas que engrossaram o Ribeiro dos Moinhos ou como outros preferirão chamar de Ribeira...percorrendo quase uma légua não é água bastante que ganhe forma de rio, embora na sua desembocadura se case prazenteiro e sinuoso com o seu Sabor. Homenageando tal enlace amoroso , no seu fim de principio , se estribam os Pegões no Poço dos Praça e o cilíndrico pombal, de cujos beirais as pombas, todas as primaveras, levavam em seus bicos lindos ramos de laranjeira florida cantando hossanas pelas riquezas que no leito das Olgas e através dos tempos, tanta diversidade de frutos deliciaram estomagos vazios de moleiros, pastores , jeireiros , homens do rebusco e seus senhores aristocratas. Desde a Terra da Moura, nas faldas da Mua, na interseção de noroeste da padroeira Senhora do Amparo e de seu parente souteiro e velhinho padroeiro, que abundavam os castanheiros, as bebereiras, pessegueiros vários e de rachar, nozes, amêndoas , azeitonas galegas e carrascas ,verdiais como verdes e frondosos eram os freixos, lodões, amieiros e zambujeiros, dos quais, pelos Reis se faziam os galheiros para a Festa dos Rapazes. E que belo quadro etnográfico e bairrista se apresentava no Largo da Igreja Matriz ( S. Miguel por padroeiro) de Felgar, onde garboso mancebos se desafiavam com as chouriças, as cebolas, as romãs, as uvas quilhão de galo a pedirem meças aos pichassotes , de cujo cu pendiam lágrimas de mel capazes de estancar tristezas à Velhinha do Souto da Velha. E do " inadvertido Rio de Moinhos" rogássemos aos barqueiros de Silhades por fugidias trutas eles nos diriam: ide por aí acima até á Fabrica dos Cobertores, do Miguel Moita e com elas havemos de fazer um festim que até as bogas, os escalos, as enguias e os mexilhões de água doce se esquecerão das suas camas. Mas prestai atenção: se vos apetece uns valentes barbos aproveitai os poucos dias que os da EDP e os chineses das Três Gargantas Fundas vos permitem. Eles comem tudo! nem uma árvore fica de pé! Peixes, lontras , lagartos e ovelhas todos choram no lodo que inundou o seu mundo. Nem o bezerro do Castelinho pode ser esconjurado pelo S.Lourenço nem São Cipriano lhes vale.
Artur Salgado

3 comentários:

  1. Artur! Olá! No Larinho dizemos bijassotes... São os figos mais maravilhosos que existem. Nós temos uma figueira dessas numa terra encostada ao rio Sabor a que chamam A Fraga. J. Andrade

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  2. Parabéns Artur Salgado me fizeste reviver palavras que eu pensava que já nem existiam como : pichassotes e zambujeiros kkk

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  3. Artur Salgado :
    A imagem sinuosa, contrastante e nostálgico-sonhadora mostra um ar triste daquele que foi o Moinho dos irmãos Morgado. Se a memória de menino pastor e neto de moleiros ainda se mantiver activa, como activos se mostraram os rodízios de fazer pão ao longo dos tempos, então direi que o seu berço foi ali defronte dos Abexeiros do Ar da Casa. Como tudo neste mundo se vai transformando ,e como diz o adágio; Março marçagão, de manhã cara de burro à tarde cara de cão. A cara dos escombros mostrada bem poderia contrapor: pois é! Também eu vivi muitos Fevereiros os quais pela tarde enganou sua mãe no Ribeiro... Se o Ti António Morgado, poeta popular e vetusto e honrado Mordomo de Senhora do Amparo presenciar esta imagem que não fique com ares de má cara pois que atrás dos tempos outros virão capazes de nos resgatarem na memória as nossas vidas e dos outros que se impregnaram em forte e meigo coração.

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