sexta-feira, 18 de abril de 2014

O 4º HOMEM,por Júlia Ribeiro

LARINHO -2011
Numa manhã, apresentou-se no edifício das telecomunicações de Moncorvo o encarregado do posto do telefone público do Larinho. Nem deu os bons dias.
O funcionário estranhou e disse : - Bom dia, vem com cara de poucos amigos.
- Que cara havia eu de trazer, se todos os meses fico roubado na conta do telefone?
- Mas fica roubado como? Quem é que o rouba?
- Sei lá? Os funcionários das telecomunicações são todos uns ladrões, uns vigaristas...
- Ora, então diga-me lá porquê .
- Ainda pergunta porquê? Ao fim do mês tenho um prejuizo enorme com o raio da posto telefónico.
- Isso é porque alguém telefona e não paga.  Pegue no papel que todos os meses lhe é enviado, verifique as contas e exija que quem telefona, pague .
- E de que me vale o papel e exigir ... Eles nem sabem ler e ainda ficam de  mal comigo. Só sei que todos os meses são cem mil reis ou mais que me saem do meu bolso p’ro catano do telefone.  Quero aquilo dali p’ra fora, já disse. E o mais rápido possível.
Dado o recado, desandou furibundo.
O Camané então conta:
- A minha equipa – dois colegas e eu -  estávamos a trabalhar na estação automática de telecomunicações no Felgar e recebemos um telefonema da central de Moncorvo para largarmos o que estávamos a fazer e irmos ao Larinho remover o telefone do posto público.
- Vá, sois vós quem está mais perto. Ide lá já e retirai o telefone. E nada de discutir com o homem, que ele estava furioso.
Largámos o trabalho, metemo-nos os três na Renault 4 e fomos ao Larinho.
- Então quer mesmo o telefone retirado?
 - Quero, maldita hora em que o deixei cá pôr.  Estou farto de ladroagem.
- Pronto, pronto, não se enerve. É p’ra já.
Retirámos os cabos , o telefone, o fiscalizador, enquanto o homem continuava a insultar a torto e a direito.
Quando regressávamos ao Felgar, ao cimo do povo, junto à capela de Santa Luzia, estava o presidente da Junta de Freguesia do Larinho que nos obrigou a parar e, como se fosse dono do mundo, berrou:
- Alto aí, rapazinhos. O que é que andastes a fazer? Donde vindes? (Em terras pequenas sabe-se tudo mais depressa do que pelo telefone).
- Nós vimos do posto público telefónico. Fomos retirar o telefone.
- E quem vos deu ordens para retirar o telefone?
- A ordem veio de  Moncorvo, porque o encarregado do posto público quer o telefone retirado de lá.
- Aqui quem dá ordens sou eu. Eu e mais ninguém.
- Nós trabalhamos para as telecomunicações e o resto não nos interessa.
 - Aqui só recebem ordens de mim e ... sei lá quem vós sois? Aproximou-se da janela do carro e o cheiro a vinho era de tombar para o lado.
- Quero os nomes de vós quatro.
- Quatro? Mas nós somos três.
- Sois quatro, que eu bem vos vejo. E não admito brincadeiras.
Nós éramos realmente três. Demos os nossos nomes que o presidente da junta do Larinho, com muito custo, foi escrevendo.
Depois meteu a cabeça no carro e apontou para um lugar no banco de trás:
- Aí tu, seu malandro, não queres dar o nome? Pois vais já para o chilindró.
Foi então que o Camané percebeu que o homem se referia ao aspirador que estava no banco de trás.
É que o Camané, num dos seus muitos dias de inspiração artística, havia desenhado dois olhos e uma boca no aspirador.
Se à pintura naïf juntarmos o palpite do Sr. Presidente da Junta de Freguesia do Larinho, encontramos o 4º homem.

Leiria, 17, Novº 2013

Júlia Ribeiro

2 comentários:

  1. Interessante de facto o conto (talvez verídico), pois ainda não há muitos anos o Presidente de Junta era uma autoridade bem respeitada. Pegando agora na história do telefone púiblico, acredito que o homem de Larinho (conheço a Freguesia) se calhar tinha razão na conta que era costume pagar. Mas também convém lembrar que, se calhar os CTT (da altura hoje TELECOM) não seriam culpados da dita conta. Dado que, sempre houve e continua a ver oportunistas. Assim como à milhares e milhares de pessoas a subtrair a rede eléctrica sem pagar (por isso também estamos a pagar a energia mais cara), também há quem tente telefonar sem qualquer pagamento.

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  2. Olá,Querida
    Nesta tarde cinzentona e fria,nada melhor que ler mais uma "história"(neste caso verídica) da nossa estimada Julinha.Muito obrigada por mais estes momentos de boa disposição.
    Beijinhos de grande amizade da :
    Irene

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