segunda-feira, 21 de abril de 2014

"Queremos o Santo António",por Júlia Ribeiro (Biló)

O cine -teatro nos anos 50 do séc.passado
Ainda o Cine-Teatro era novidade em Moncorvo quando, um dia, as miúdas da escola da Praça das Regateiras trouxeram para a Corredoura a notícia sobre o filme "Santo António". Traziam como prova do que diziam uma folha amarela que confirmava isso mesmo: no próximo Domingo o filme era "Santo António". Eu também li a folhinha amarela e lá estava, preto no branco " o empolgante filme Santo António".
As nossas mães e avós que já há um tempão haviam visto "Fátima " e "Santa Maria Goretti" e haviam ensopado de lágrimas o lenço da mão e o lenço da cabeça, ficaram alvoroçadas agora com "Santo António".
Os bilhetes mais baratos eram a vinte e cinco tostões ,ou seja, dois escudos e cinquenta centavos (hoje cerca de um cêntimo, mas há 70 anos era o preço de meio dia de jeira).
Mas a vida de Santo António valia bem mais do que isso.
No Domingo, ao fim da tarde, com o seu fatinho de ver a Deus, lá vai para o cinema um rancho de  umas 40 mulheres (4 ou 5 homens nem contavam). Só ficaram as muito coxas, mas as outras teriam de lhes contar tudo com todos os pontos nos iis.
Ainda a bilheteira estava fechada, já aquele bando de gralhas enchia as arcadas do cine-teatro. Bom, lá abriram as bilheteiras, depois as portas, lá entraram as mulheres da Corredoura. Raparigos éramos apenas 5 ou 6 : só aqueles que sabiam ler bem, porque as nossas mães e avós não sabiam.
Finalmente apagaram-se as luzes, fez-se silêncio e olhos pregados na tela. Vieram as novidades do mundo, veio a apresentação do próximo filme ( era um Tarzan com o seu grito acompanhado pelos gritos da canalhada) e só depois é que apareceram as letras, uma de cada vez, "SANTO ANTÓNIO" . A ansiedade já era grande. O filme era colorido e abriu com uma dúzia de cowboys aos tiros a uma centena de índios com pinturas na cara e penas na cabeça. Foi uma perseguição em que os índios morriam baleados e as sua flechas quase nunca acertavam. Isto durou uns minutos, até que os cowboys entraram num enorme bar onde havia mulheres com vestidos de seda e grandes decotes. Alguns cowboys puseram-se a beijá-las e as mulheres da Corredoura achavam que aquilo já ultrapassava os limites da decência. A Tia Maria Trovões, sempre a mais afoita, levantou-se e disse em voz bem alta: "E o Santo António? Queremos o Santo António". Outras se levantaram também e então foi uma gritaria " Queremos o Santo António” , "Queremos o Sant António", e todas repetiram e bateram o pé até que o filme parou, a luz se acendeu e toda a gente à gargalhada e a bater palmas.
O empregado da máquina veio explicar que o filme tinha o nome de uma cidade do Texas, na América.
Agora os gritos eram "Queremos o nosso dinheiro" , "Queremos o nosso dinheiro", repetidos pelas 40 vozes das mulheres da Corredoura e por muitas outras que se lhes juntaram.

O Sr. Moreira não teve outro remédio senão mandar um empregado ir para a bilheteira e dar os 25 tostões a quem apresentasse o bilhete.
Júlia Ribeiro (Biló)

4 comentários:

  1. Eu para o Santo António já dei,quero sim:"Queremos o nosso dinheiro",hoje ontem e amanhã.Há sempre álguem que nos rouba,há sempre alguém que faz barulho,protesta,reclama,barafusta,desabafa com palavrões,eu que sei lá?Não há hoje homens como o senhor Moreira;viu o embuste e repôs a verdade devolvendo o dinheiro.Ele tinha razão mas percebeu que elas foram enganadas por uma publicidade enganosa.Que boa lição para os politicos,bancos,pt,meo,zon e cambada similar.
    Tertuliano

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  2. Olá Querida amiga Julinha!
    Acabada de chegar vim ver "Os Farrapos" e olhe só que maravilha!
    Com que então o "mulherio" foi em romaria ver a vida do Sto,António ,mas ao que parece apareceram-lhe índios cowboys e meninas vestidas de seda com sapatos de tacão alto!
    Estou a ver o filme...Claro que tinha que dar uma enorme gargalhada!
    Um xi -coração
    Irene

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  3. Vale uma boa gargalhada !!

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  4. Lá em casa a minha avó falava dessa cena. Aquilo deve ter sido uma cena dum raio. Eu era muito pequenito.

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