sexta-feira, 20 de junho de 2014

Miguel Torga e o Abade de Baçal

Em 14 de Novembro de 1947, datado de Coimbra, escrevia Miguel Torga no Diário IV (1949):


Morreu ontem o abade de Baçal, um homem pré-histórico e sábio. Pré-histórico, porque se manteve sempre na primitiva decência de uma humanidade fundamental; sábio, porque sabia do seu ofício, que era a arqueologia. Patego e sem génio, trouxe para a reflexão dos problemas da cultura um bom senso campónio, terroso, que tem a utilidade doméstica do Borda d'Água. E a sua obra é uma espécie de 'governo do ano' do distrito de Bragança. As luas, quando se rega e semeia, a época das colheitas, e as rezas com que é preciso ajudar a semente. Parece pouco, mas é assim que se começa. Como bípede e transmontano, gostava de lhe ter dito duas palavras sobre a sepultura. Nada de particular. Testemunhar-lhe apenas o meu respeito, não pela obra, que é rudimentar, como digo, nem pela vida, que foi de primário, como se sabe. Gostava de o saudar pela raridade da sua casta. Andei há tempos várias léguas para ver um teixo, que é uma árvore que os botânicos dizem que vai acabar.

Este texto está incluído no livro "Pátria Breve" de Ernesto Rodrigues, edição Textype.

Nota do editor: A fotografa foi recolhida da Internet.

4 comentários:

  1. Ana Diogo:
    Deliciosa citação de Torga!

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  2. Shawn Parkhurst:
    O Torga mordeu com dente afiado e coração de mel!

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  3. Grande Torga,raivoso como só ele.Desdenhou a obra do grande Abade,fazia-lhe sombra.Qual dos dois será lido daqui a 50 anos?
    Urse.

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  4. Abade de Baçal e Torga - ambos são grandes. Podemos , por vezes, discordar de um ou do outro, (aqui discordo do Torga) mas ambos serão lidos daqui a muitos anos !

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