domingo, 10 de agosto de 2014

“Rostos Transmontanos”,por Antonio Luis Pereira

Já todos ouvimos falar do “Reino Maravilhoso” como uma expressão que de imediato associamos à beleza da nossa terra, à excelência da variedade da paisagem transmontana, mas poucos falam de uma forma tão sentida e tão próxima, de uma forma tão real e tão pura, dos seres que habitam esse tão famoso reino, como Paulo Patoleia nos fala através dos seus retratos que agora foram impressos em livro pela da editora “Lema d’Origem”, com o título “Rostos Transmontanos”.

É-me particularmente difícil falar da obra de Paulo Patoleia que não seja com emoção. Por isso, peço desde já desculpa antecipada por alguma exaltação que possa fazer ao evocar as sensações de grande orgulho que em mim fazem despertar estas fotografias que retratam o meu povo, que retratam a essência e o essencial de uma terra de que também faço parte.
Paulo Patoleia não fotografa só o exterior das pessoas. Paulo Patoleia não fotografa apenas os traços fisionómicos do rosto que integra essa realidade do ser transmontano tão realisticamente capturado pela sua lente nas feiras, nas festas e nas romarias desta região tão só, tão abandonada, mas culturalmente e humanamente tão rica e tão diversificada.
Nos seus retratos, Patoleia ultrapassa o limite do rosto, ultrapassa o limite do momento fixado em luz, do traço fixo da visualidade fotográfica, e leva-nos até ao transparente e buliçoso movimento da alma. Sim, porque o que Paulo Patoleia fotografa, e que tão bem é apresentado neste seu livro, é a alma do povo transmontano. Essa alma grande e solar que explode através do brilho dos olhos de seus “modelos”; essa alma acetinada e áspera que vemos desenhada numa expressão facial congelada entre o rude e o afável; essa alma antiga e histórica que se rasga na intensidade das rugas dos homens e das mulheres fotografadas; essa alma que crê, que sofre, que se diverte; essa alma alegre, triste, solitária e melancólica que se revela por detrás de um rosto de palavras inaudíveis, silenciadas ou ainda por pronunciar.

Numa conversa tida com o autor há alguns anos atrás, ainda mal nos conhecíamos, o Paulo dizia-me que fotografava pessoas que mais ninguém queria ou estava interessado em fotografar e que algumas dessas pessoas a única fotografia que tinham tirado em toda a sua vida tinha saído da sua máquina. Nada mais comovente. E é essa, precisamente, a grande virtude do Paulo Patoleia enquanto fotógrafo, porque desse modo o artista soube agarrar o que mais ninguém agarrou, soube perpetuar a condição modesta do nosso povo através de uma simplicidade que naturalmente comove e emociona.
Poder-se-á considerar que Patoleia segue em parte a linha temática e estética de George Dussaud, o grande fotógrafo de referência da antropologia visual de Trás-os-Montes, porque tal como ele fotografou pessoas humildes, os tais “camponeses pobres mas não miseráveis” no dizer do fotógrafo francês. Só que Patoleia preferiu fazer um zoom para nos oferecer o pormenor, trocando a envolvência do registo geral, do plano mais amplo, pelas minúcias de rostos bonitos, menos bonitos, ternos, azedos, alegres, tristes, sofridos, resignados e orgulhosos da nossa gente.

E fez bem ao enveredar por essa opção, porque ao aproximar-nos olhos nos olhos com o retratado gerou uma intimidade nunca dantes conseguida com o nosso povo, escancarando desse modo as portas da sua alma para nos aproximar do seu espírito e da sua essência.
No fundo, o Paulo oferece-nos, através destes “nossos” rostos, a geografia e as paisagens recônditas e olvidadas que formam a fisionomia interior e sentimental de uma região inteira. E é por isso que são tão importantes estes registos. São importante porque nos levam até ao âmago do real, até às pessoas que efectivamente interessam para documentar e melhor entender a verdadeira simbiose entre o homem e a terra.
Este livro é também um hino que vem neste mês de junho de 2014 refrescar a memória e a nossa identidade colectiva, um documento muito raro do nosso registo etnológico e da nossa antropologia do visual. E por isso irá permanecer como matéria incontornável na abordagem ou nos estudos futuros de todos aqueles que pretendam trabalhar sobre a antropologia do povo transmontano.
Documento e arte são, portanto, os dois atributos que melhor definem esta edição enriquecida pela participação literária de 49 autores transmontanos que legendaram cada um dos mais de oitenta retratos que integram esta publicação. Pelo meio vamos encontrar pequenos textos, verdadeiros poemas que surgem a complementar de forma perfeita as sensações despoletadas pela observação de tão intensas imagens.
“Rostos Transmontanos”, do fotógrafo Paulo Patoleia, recentemente editado sob a chancela da editora Lema d’Origem, é um livro que chega ao público numa edição muito cuidada, com capa dura e papel couché e com um design gráfico muito atractivo. Um livro que cada um de nós irá fruir e sentir de forma muito particular.

Da minha parte apenas pretendo dizer-vos que é nesta geografia rugosa que encontro a origem. E perante estes rostos com paisagens em relevo, sinto a dignidade de uma terra meiga, áspera e agreste: sinto uma espécie de pequena grandeza semeada de pura humanidade.
Antonio Luis Pereira

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