quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Memórias Orais - Maria Emília Parra

“Em Poiares, o único rádio que havia era o da minha sogra”

Nasceu em Angola há 86 anos, onde estudou e viveu com os pais. O pai, gerente de uma grande empresa naquela cidade permitia que tivessem um nível de vida que o desenvolvimento natural das grandes metrópoles via como sendo normal. Mas cedo a vida trocou as voltas à jovem menina que aos 17 anos perdeu a mãe e dois anos depois o seu pai também viria a falecer.

A vida de Maria Emília Parra mudou. Casou nova e  a família do marido passou a ser o seu maior apoio. O seu marido era natural da freguesia de Poiares em Freixo de Espada à Cinta, uma aldeia, que para Maria era como que do outro lado do mundo, “quando cheguei a Poiares viemos assim à noitinha, não havia eletricidade, e eu quando cheguei se tivesse um buraco eu tinha-me metido dentro dele e ia parar outra vez a Luanda”. A vida na aldeia era diferente e certamente aquela não era a sua. [Fiquei em casa da minha sogra, vejo uma data de mulheres, estava tudo à minha espera, eu o meu marido e os dois filhos pequeninos. Então as mulheres estavam todas com uns xailes pretos e uns lenços pretos e eu quando entrei disse assim para o meu marido “olha morreu alguém, estão a fazer um velório ”, com uma luz de azeite que eram aqueles candeeiros de cobre com três bicos, aquela luz ali e um candeeiro de petróleo”].


Maria Emília Parra teve que se habituar aos modos de viver da aldeia. Agora já não ia só nas férias, regressou de vez a Poiares por causa das saudades dos filhos.  O escasso desenvolvimento das pequenas aldeias não incluía ter água canalizada ou luz elétrica pois a vida era significativamente rural.  “Foi a primeira vez que vi uma lareira, em Angola não conhecia. A minha sogra tinha um rádio, era o único que havia em Poiares e havia uma mulherzinha que fazia o correio, que era a senhora Marcelina, vinha de Freixo a pé com a saquinha do correio e onde é que ela entrava primeiro, em casa da minha sogra, estivesse a nevar ou a chover. Essa senhora do correio entrava em casa da minha sogra e a minha sogra tinha sempre uma tijela de sopas à beira do lume e tinha uns sapatinhos pra ela se mudar porque às vezes vinha molhada e uma roupinha, e ela aquecia-se ali...” De repente a vida na aldeia começou a ter uma importância que não era material, era muitas vezes afeto que era dado de forma descomprometida mesmo com o pouco de que se dispunha. 

Desse tempo Maria recorda memórias que lhe encantam o paladar e o coração como as migas feitas ao lume com ovo escalfado e pão cozido em forno de lenha, ou  as quebradas da amêndoa “que eram tão bonitas e as pessoas cantavam”.  Esta já era a sua vida que a foi envolvendo cada vez mais no meio rural uma vez que ela e o marido ali se dedicaram à agricultura. “A agricultura era muito boa, havia muita amêndoa, os meus sogros educaram os filhos, todos os três, com o dinheiro das amêndoas, das azeitonas e das frutas que vendiam; mais tarde é que se fez um armazém prás amêndoas, havia amêndoas por toda a casa, nós na cozinha só pisávamos amêndoa, nos quartos, era tudo, depois vinham os compradores de fora e pagavam muito bem pela amêndoa”.

Agora o viver da aldeia é novamente diferente, a tecnologia e os bens materiais chegaram mas as pessoas, sobretudo as mais novas já não vão estando, e o espírito de vizinhança também se modificou,  [antigamente as pessoas, eu lembra-me ali em casa da minha sogra, aquelas vizinhas iam lá “senhora Maria precisa de alguma coisa”, “veja lá se quer que eu lhe faça isto ou aquilo ou o outro, a senhora disponha”, sem interesse, hoje não...]. Agora a vida nas aldeias vai indo devagarinho, como o comboio que Maria Emília apanhou em Vale Ladrões, quando regressou de Angola. Agora a espera é pela renovada dinâmica que os espaços rurais  tanto precisam.

Joana Vargas

Nota do Editor
A entrevista foi gravada em Dezembro de 2012. Maria Emília Parra faleceu a 16 de Dezembro de 2015. A LB Produções presta através desta crónica, uma pequena homenagem a esta senhora e as sinceras condolências à família.

Leonel  Brito


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